TEXTOS

Nesta página reuniremos textos que Monsenhor Murilo publicou em jornais, revistas, livros etc.


Discurso de despedida do magistério por motivo de aposentadoria

A sabedoria dos antigos romanos sintetizou bem que, enquanto andamos, aprendemos. Não para as notas, mas aprendemos para a vida.
Lembro-me, muito bem. Numa manhã de outubro, d. Amália me colocava diante de 50 alunos da classe média e me apresentava como jovem sacerdote, recém-chegado. Iria ajudar na educação da nova geração da Escola Normal. Foi muito cativante a recepção. A escola vivia momentos de transformações substanciais em seu currículo. A Paróquia já me projetava, confiança de amizade, nas famílias de nossa Cidade.
Pastoralmente, já naquele tempo, bifurcaram-se opiniões. De apoio, umas: Valorizavam o contato com os jovens, a necessidade de um trabalho junto aos esforços da Escola, pelo aprimoramento da personalidade. De reserva, outras: — Uma Paróquia, centro de Romaria, em Juazeiro, o maior centro urbano do interior, não esgotaria a ação sacerdotal do neo-ordenado? Não me intimidei. Intuí profundo. Decidi fazer a experiência.
Hoje, trinta anos e meses, na contagem do processamento de dados da Secretaria de Educação do Estado, vou tirando, de mansinho, o time de campo. Vale perguntar. Valeu a pena?
O que nos leva a projetos de vida são as intenções, as disposições de trabalho, o sentido do outro, a convicção do servir.
A educação é obra de integração de pessoas. É mais que um encontro entre elas, é mais que instituição de caridade, é mais que um exercício didático ou competição. Educar é libertar, desprender-se de si, apontando ao educando um rumo que ele sozinho deverá determinar-se por seguir. Quando enfrentei, pela primeira vez a sala de aula, já levava como síntese que não iria mudar a face da terra, que não sabia tudo, mas devia saber, mais que as alunas, que minha missão era impor um ritmo de atividades para que elas governassem criteriosamente seus atos, responsavelmente sua vida. Não tem sido fácil esta tarefa. A escola de hoje não é mais como a do passado, considerada como uma oficina do saber. O professor é, cada vez menos, o mestre que apela à passividade submissa dos alunos. O papel do professor, no momento, é difícil, ao lado da tecnologia e dos meios de comunicação, que diariamente informam de modo eficiente, captando a atenção dos alunos para os acontecimentos de todo o mundo. Em primeiro lugar, é preciso que os professores estejam conscientes da evolução da educação e da nova tecnologia do ensino. É preciso, em seguida, que os alunos abram sinal verde para a transparência dos apelos da educação.
Guardo memória feliz de quantas alunas minhas se esforçaram para atingirem o âmago desta intercalação fundamental de suas vidas de educandas. Se tivesse reduzido o projeto educacional à aprendizagem somente, teria sido frustrado. Valorizávamos até a boa disposição dos deveres.
 Nem é preciso reafirmar que a Escola Normal de ontem, (ou o Centro Educacional Professor Moreira de Sousa, de hoje) se aproxima de uma família com muitos filhos, acolhedora, amiga. Respira-se, entre as velhas paredes que se erguem, desde 1934 ou as renovadas marquises da ala nova, ambiente de fraternidade. A fraternidade aproxima as pessoas, sela a confiança, reparte os sentimentos, ensina a conviver com as diferenças. É em nome desta fraternidade que nossas limitações e nossos defeitos, longe de nos separarem, nos aperfeiçoam.
A escola me ensinou bastante. Aprendemos que o magistério público ainda é vítima de um sistema altamente corrompido e viciado por apadrinhamentos que ofendem, de cheio, à formação integral do educando. A Escola pública tem a fisionomia do governo, de seu secretário, dos deputados que não estão morrendo de amor por uma conscientização dos jovens. É o mais triste na educação, porque os jovens de hoje, serão os mestres de amanhã. Vejam no meu caso. Olho para as professoras de hoje, quem é que não foi aluna minha, na escola? O descaso, a falta de seriedade do ensino ensejou o comodismo, o pretencionismo, a falta de interesse e desproporção entre o que devemos fazer, o que queremos fazer e o que conseguimos obter.
O desenvolvimento de um povo bem se pode medir pelo grau de sua educação. Tivemos ótimas alunas que levavam a sério seus estudos, que chegaram a ler a mensagem de auto-crítica que a escola lhes oferecia. Alunas competentes. Mestras exemplares, hoje. Aprimorados funcionários públicos, extremosas mães que repartem com seus maridos, a árdua missão de orientar. A estas chegou fácil o perfil de uma Educação afetiva, democrática, compensadora. Um olhar retrospectivo sobre o passado nos coloca frente a frente, com a realidade de descoberta de lideranças autênticas, amizades que se forjaram muito além do interesse, da bajulação e subserviência. Turmas e turmas se sucederam, com percentual confortador de alunas que descobriram autoridade, liberdade e criatividade na ação educadora. O tempero das três exigências da real educação corre por conta e risco da integração professor, aluno.
Entretanto, seríamos demasiadamente ingênuos, se não sentíssemos, entre outros, profundas limitações, carências até de não poucas de nossas alunas.
Às vezes, a distância era abissal entre o que nos devia unir. A comunicação estancava diante de uma inibição quase doentia. Tímidas, espantadas, armadas, psicologicamente, candidatavam-se, com sucesso a uma deficiência tamanha que chocava. Muitas jamais conseguiram auto-analisar seus defeitos. Não encontraram tempo para concentrar, não adquiriram hábito de pensar, concluir, raciocinar, estudar. Entregaram-se ao mais caprichoso "doce fazer nada" ou se envolveram em atividades nos dois outros expedientes, não tendo realmente tempo disponível para concentração. Não poucas conseguiram a média, graças ao processo de avaliação, muito falho que mede, sem avaliar.
Sobre este assunto que é uma constatação sincera, há posições exageradas de possíveis técnicos de educação, que jamais gastaram quarenta minutos numa sala de aula e concluem, à distância, do pedestal de sua preconceituação. Para estes, é fácil diagnosticar contra a falta de motivação da parte dos mestres.
Pena que tenhamos de esclarecer que não se faz educação sem participação voluntária e consciente do educando. Uma pessoa incapaz de querer se toma incapaz de educar. Não temos espaço para caracterizar as várias maneiras de não querer. Mas, notamos que uma consciência abúlica retarda sua força de auto-disciplina e govenro.
Em nossa modesta experiência do magistério de 2o Grau, podemos sentir que uma vontade educada encaminha o futuro das gerações. A Escola só devia ter uma proposta de ensino: formar a vontade, disciplinar os desejos, encaminhar as boas conclusões. Vontade formada, seleção apreciada, destino certo, caminho seguro.
Por cima de tudo isto, a sala de aula me compensou muito. Conheci melhor as pessoas, seus problemas e suas situações variadas. Apesar de tudo, acreditei que a educação é possível. Seus horizontes vão além das paredes da escola. Extrapolam. Desembocam na vida da família, do trabalho, da sociedade.
Quantas vezes, deparei-me com aluna dura para redigir e fácil para externar, associar-se, sociabilizar-se. Quantas vezes, descobri alunas inimigas dos testes objetivos e dóceis à escrita e meditação. Aproveitar todas estas disponibilidades para capacitá-las para viver foi tarefa que muito nos agradou. Damo-nos por grato.
Neste dia 11 de Agosto, estendo minha mensagem de mestre realiza¬do, às alunas de ontem e de hoje, a todos os estudantes, num apelo veemente para que tenham mais coragem de gastar mais tempo no estudo e educação de suas mentes e vontade. Nada mais dignifica o homem que capacitá-lo para sua perfeita auto-determinação.
Lembro-lhes a recomendação de um grande estudioso no assunto, em nossos dias, para quem a educação marca relações tão profundas que não se limitam a interesses intelectuais somente, mas projetam por sobre outros interesses das áreas, religião, psicanálise, esporte.
Sempre considerei como louvável o que nos ensinou Aristóteles: o relacionamento de um professor com seus alunos é como um tipo moral de amizade que não possui termos físicos: dar um presente ou faz qualquer coisa como se fizesse a uni amigo.
Faço minhas as palavras de muitas e muitas ex-alunas desta querida comunidade escolar, espalhadas por este Brasil: "Muito obrigado por tudo de bem que escutei de seus lábios". Posso também dizer: Muito obrigado pela convivência destes 30 anos e diante de Deus, responder com imensa alegria: VALEU A PENA.
Pe. Murilo de Sá Barreto
Juazeiro do Norte, 11 de agosto de 1987


PADRE CÍCERO: NO CORAÇÃO DO POVO
Cada vez que aparecem escritos novos, cada vez que rebentam enfoques sobre o Padre Cícero que, em março de 1994, estará completando 150 anos, firma-se o lugar que conquistou, na caminhada sempre árdua de sua memória.
Mesmo antes de sua morte, em 1934, já podemos considerá-lo expoente referencial do Nordeste e conselheiro prestigiado. Faltando-lhe o expediente precioso do altar e do púlpito, compensou-se com o conselho direto, frontal e vivo para os afilhados de todo Nordeste. Com o testemunho de fé que lhe deu destaque, reduzido ao estado leigo, vejam como observara o insuspeito Pároco de Juazeiro do Norte, Mons. Joviniano Barreto: "Padre Cícero nunca faltou à missa aos domingos. Era sempre paciente e jamais teve uma palavra de revolta. Isto não prova desdém à religião, que amava com todas as veras de sua alma de sacerdote, e, sim espírito de fé católica, da qual nunca se afastou".
Depois de sua morte, ao contrário do que, comumente acontece, o morto está mais vivo do que nunca. Sua morte foi uma "passagem" e o povo, representado pelo cantor de pé-de-serra, repete emocionado:
"Olha lá no alto do Horto/Ele tá vivo/O Padre não tá morto".
Realmente, suas últimas palavras, guardadas sobre a pedra sempre enfeitada, sob o altar de Nossa Senhora do Socorro da Capela do Cemitério Público de Juazeiro do Norte, não lhe dão trégua: "No Céu, continuarei rezando por vocês todos". Esta ação, não interrompida com o corte da existência atribulada, fez do Padre alguém convencido de seu papel, de sua importância, de seu valor, de seu prestigio, de seu carisma. Não é em vão que o chamam de Patriarca do Sertão, de Patdrinho, de Conselheiro, de "SANTO". Uma observação mais demorada sobre o fenômeno Padre Cícero, suas romarias e Juazeiro, a despeito de objeto de conclusões muito interessantes dos Simpósios, ainda é convite para busca científica que nos aproxime da verdade.
Há três lugares, espaços distintos aonde o Padre Cícero foi elevado pela sempre crescente procissão de seus afilhados e um há em que a Igreja jamais o colocou.
Cícero Romão Batista, sacerdote católico, elogiado por seu bispo, depois atormentado, processado, perseguido, suspenso de ordens, teve uma linha de tempo, repartida em 9 décadas, de sua chegada ao mundo do Crato, à sua morte em Juazeiro do Norte. E nesta ascensão, ganhou espaço nos palanques da propaganda política, no frontispício de casas de comércio e indústria, no coração das massas sertanejas.
Na propaganda eleitoral, não tanto, para exaltar o primeiro prefeito de Juazeiro do  Norte, mas para usá-lo. Onde está o Padre, aí está o povo. Financiam-se romarias, constroem-se estátuas nas Praças, nenhum município se priva das fotografias e calendários, como lembrança do Patriarca. O Padre Cícero é o Padre mais lembrado em todo Nordeste.
Nas paredes, fachadas de casas comerciais de toda espécie, do cafezinho de marmita aquecida com lenha, a padarias e lojas, mercantis e postos de táxi. O Padre está em todas. É lembrança constante que tanto pode ser de gratidão, como propaganda.
Mas, ainda não é aí, o verdadeiro, o lugar devido conquistado pelo Padre Cícero.
Faz trinta e seis anos que exerço o ministério em Juazeiro do Norte, especialmente na Paróquia de Nossa Senhora das Dores. Em momento algum, neguei a atenção pastoral que os romeiros pedem. Enquanto, aqui demoram, buscam o que todo romeiro quer de um Santuário: a Palavra de Deus, os Sacramentos, a oportunidade para a oração e a atenção do padre. Cada vez, as romarias aumentam. Não são mais somente para a festa da Padroeira, Nossa Senhora das Dores e Finados. Elas vão de setembro a março; de maio a julho e cada ano, renovando as disposições de escutar a Palavra de Deus. Reconhecemos que há um lugar em que o Padre não foi colocado pela Igreja. É o altar. Ele não está nos altares dos canonizados. O Padre sofreu um processo. Morreu apenado pelas leis eclesiásticas. Seu altar se tornou o coração das massas que têm o sagrado direito de por aí quem escolheram como amigo, protetor, advogado, intercessor e santo.
Santo nunca significa que não tivesse pecado. A Igreja á santa e pecadora. Santo é quem é visto como buscando a Deus, levando-se e começando de novo. Nos lábios do romeiro, nunca ouvi a expressão São Cícero. Para o romeiro, a santidade do Capelão de Juazeiro, está justamente no que lhe sobrou, que a Igreja não pode tirar, porque é eterno. Em ser Padre – “tu és sacerdote para sempre”. Para o povo, o lugar do Padre é em seus corações. Justamente onde depositam as imagens de sua afeição. E Padre Cícero não está ali gratuitamente. Conquistou o espaço, porque esteve mais próximo de cada nordestino. Nasceu, viveu, sofreu, repartindo os encantos e durezas da vida do campo, partilhando as noites de sofrimento e guardando fidelidade ao universo católico, ao religioso devocional que dá identidade a cada nordestino. Faz admiração que o povo não o esqueceu, ainda. A despeito de 150 anos de seu nascimento, de 60 de seu trânsito, cada dia 20, as praças se tornam pequenas, as avenidas estreitas para reunir os fiéis da Santa Missa em sufrágio de sua alma. Crêem na ressurreição.
Desconheço alguém que tenha recebido tantas intenções de Santas Missas, diariamente, que seja lembrado nas ânsias da aflição, no tormento das necessidades. O que o povo quer com tudo isso é colocar bem clara a sua vontade, manifestar sua decisão de oferecer-lhe o coração como altar, a prece, como súplica de rogação confiante. O Padre assume o lugar de Padrinho, no sentido de pequeno pai que quer bem aos filhos, nunca de patrocinador, de coiteiro, de afiançador dos erros de alguém. O grito: "Valei-me, meu Padim Ciço" é a súplica a quem é posto bem perto de Deus.
Colocar junto de Deus, como pessoa sua, seu representante é atribuição da competência dos que alimentam a esperança do Povo de Deus. O povo da história da Salvação tinha Deus  bem perto, caminhava com caminhava com o seu povo, falando com ele, dialogando e medindo suas quedas com a misericórdia do coração do Pai.
Nota-se que hoje, o povo quer ver santo "de carne e osso", que experimente as agruras, assente-s no chão de poeira levantada pelas passadas da caminhada.
Uma realidade bem forte marcou a personalidade do Padre – a consciência de sua missão, a convicção de que realizava um programa de vida - "tomar conta deste povinho bom  de Juazeiro". Em outra carta, ao superior dos salesianos, exclama Padre Cícero: "o maior benefício que posso fazer a este povo que eu formei nos mais austeros princípios de nossa divina religião"... Não há a menor dúvida, o Padre se revestiu da túnica sagrada de condutor das massas sertanejas, conselheiro devocionário que, avisado, saciou zelo sacerdotal, marcou  os corações, impôs-se pela apologética, incrementou da força dos sacramentos. Este tipo de serviço pastoral dá ao Padre o apelido “um padre religioso". E lhe valeu cadeira cativa no coração do povo. Padre Cícero se assenta aí como escolhido do povo, eleito de seus afilhados que para crescerem e aumentarem, independem do processo de colonização, dominação. O Padre não foi guindado. Ele ganhou o lugar pela identificação com as massas, pela familiaridade com os simples e pela austeridade das decisões. "Num mundo povo" - sentenciou João Evangelista de Andrade em seu livro Mestres de Juazeiro, "não haveria lugar para o popular". Não se diga dos que caminham em direção a Juazeiro Weber registrou, ao contemplar a multidão gritando Justiça, Igualdade e Fraternidade:-"será que entendem o significado destas palavras?"
O romeiro, o devoto, o afilhado, o pagador de promessa sabe bem o que seu gesto significa gratidão e amizade, do íntimo do coração, pela intercessão a Deus: “ No Céu, rogarei a Deus por vocês todos”.
(Artigo publicado na revista Memorial em comemoração ao Sesquicentenário de Nascimento do Padre cícero Romão Batisa em 1994) 

Oração ao Padre Cícero


Autoria: Monsenhor Murilo de Sá Barreto

Virtuoso padre, meu padrinho do Juazeiro, recorro confiante a vossa proteção.
Venho pedir-vos a graça de imitar as virtudes da pobreza, da obediência e da castidade, com que ornaste vossa vida, aqui na terra.
Valei-me, meu padrinho. Rogo-vos um olhar de misericórdia. A oração e o trabalho que ensinaste a nós pecadores sejam a nossa força. Olhai compassivo para vossos afilhados. Amparai com vossa ajuda os Romeiros da Mãe de Deus, a quem ensinastes a  amar.
Dai-me constância, perseverança, para como vós, chegar ao Reino dos Céus. Meu padrinho, em confio em vossa santidade e quero ser fiel até à morte. Pela Virgem, Mãe das Dores, sede meu advogado.
Amém. 


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