PEQUENA BIOGRAFIA DE
MONSENHOR FRANCISCO MURILO DE SÁ BARRETO
- O Vigário do Nordeste -
DADOS PESSOAIS. Monsenhor Francisco
Murilo de Sá Barreto nasceu em Barbalha, Ceará, no dia 31 de outubro de 1930.
Filho de José Pácifer de Sá Barreto e Laudelina Correia de Sá Barreto. Quando
ele tinha três anos de idade perdeu a mãe, e passou a ser criado pela tia,
Ironina de Sá Barreto, a quem chamava de “Madrinha”, nome, aliás, como D.
Ironina era carinhosamente conhecida em toda Barbalha.
ORDENAÇÃO. Viveu toda a infância
na casa da Madrinha, em frente à Matriz de Santo Antônio, em Barbalha, para onde ia, todo dia, em companhia da mãe
adotiva entregar as hóstias que ela fazia. Este contato certamente despertou
nele a vocação para o sacerdócio. Por isso, aos 14 anos ingressou no Seminário
São José, do Crato, Ceará. Depois foi transferido para o Seminário da Prainha,
em Fortaleza, onde de 1952 a
1953 fez o Curso de Filosofia e de 1954 a 1957, o curso de Teologia. Recebeu sua
primeira tonsura em cerimônia realizada na Capela do Palácio Episcopal do
Crato, celebrada pelo bispo D. Francisco de Assis Pires. Recebeu as ordens
menores com Ostiário e Leitorato em 12 de junho de 1955, oficiadas pelo bispo
de Fortaleza, D. Antônio de Almeida Lustosa, na Igreja da Prainha; o Exorcistato
e o Acolitato, em 8 de dezembro de 1955, oficiados por D. Francisco na Catedral
Nossa Senhora da Penha em Crato; no ano seguinte inicia a obtenção de ordens
maiores. O Sub-Diaconato lhe foi atribuído por D. Lustosa, na Igreja da
Prainha, no dia 2 de dezembro de 1956; o Diaconato, em 6 de abril de 1957; e o
Presbiterato, com sua Ordenação, em 15 de dezembro de 1957, em cerimônia
oficiada por D. Francisco, bispo da Diocese do Crato.
VIDA RELIGIOSA. Iniciou suas
atividades religiosas na Matriz de Nossa Senhora das Dores, de Juazeiro do
Norte, em 6 de fevereiro de 1958, como Vigário Cooperador, auxiliando o
Vigário, Monsenhor José Alves de Lima. No dia 28 de fevereiro de 1967 assumiu a
função de Vigário da Matriz de Nossa Senhora das Dores, hoje Santuário
Diocesano, permanecendo no cargo até morrer.
Durante o tempo em que esteve à frente da Matriz de Nossa Senhora das
Dores Monsenhor Murilo desenvolveu intensa atividade junto aos seus paroquianos
e também à sua imensa legião de amigos romeiros. Trabalhou incansavelmente pela
comunidade, desde a elite ao excluído, realizando intensa atividade pastoral, inclusive com visita
domiciliar para cumprimento de missões que ora envolviam alegria, como uma
missa congratulatória; ora tristeza, como socorrer com a unção dos enfermos um
moribundo.
Aos romeiros dedicou especial atenção,
tendo sido o continuador da obra deixada pelo Padre Cícero e também o mentor da
Nação Romeira, uma extensa área geográfica espalhada por todo o Nordeste, que
ele herdou do Padre Cícero e contribuiu para o seu crescimento. Aí, numa
metamorfose incrível, ele se transformava no Padre-Romeiro tão conhecido dos
pernambucanos, dos alagoanos, dos sergipanos, enfim, dos nativos que fazem a
Nação Romeira. Ele foi com toda certeza o substituto mais perfeito do Padre
Cícero, no que diz respeito ao atendimento e atenção aos romeiros, não apenas
em Juazeiro do Norte, mas também em outras localidades, como Surubim, Panelas,
Cachoeirinha, Delmiro Gouveia, Piranhas, Campo Alegre, Caruaru, São Caetano,
São Miguel, Marechal Deodoro, dentre
outras, onde esteve em missão pastoral.
Em todas as localidades aonde chegava era
disputado pela multidão como uma celebridade. Todos queriam abraçá-lo,
apertar-lhe a mão, bater foto ao seu lado e convidá-lo para uma visita
doméstica. Sua presença superlotava qualquer igreja e fazia o êxito de qualquer
evento religioso. Não há nenhuma dúvida: os romeiros o estimavam muito. E a
recíproca sempre foi verdadeira, porquanto foi crescendo à medida que ele soube
– tal qual o Padre Cícero – penetrar no âmago do coração do romeiro e
entender-lhe as agruras e as alegrias. Monsenhor Murilo terminou por perceber
que os sentimentos dos romeiros são verdadeira-mente puros, espontâneos,
gestuais, impregnados de autêntica religiosidade popular. Ele compreendeu, como
resultado de experiência vivida, que a manifestação religiosa dos romeiros não
tem nada de fanatismo exacerbado, como se apregoou no passado. Ao lado do
romeiro, fugindo da erudição inata que dominava tão bem, e usando a linguagem
peculiar às massas, no que se saía igualmente bem, ele fortalecia a esperança
de que Padre Cícero a despeito de tudo triunfava dentro da sua Igreja. Por
isso, tornou-se um grande estudioso e defensor do Padre Cícero, sobre quem
escreveu um livro e promoveu, a partir de 2003, um Trí-duo de Estudos, o qual
reunia em Juazeiro do Norte estudiosos para aprofundamento de pesquisas sobre o
Padre Cícero. Também foi um dos maiores
incentivadores dos simpósios internacionais sobre o Padre Cícero realizados
pela Universidade Regional do Cariri.
Ele era extaordinariamente habilidoso na
maneira de como pregar a palavra de Deus. Suas homilias eram bastante
apreciadas indistintamente pelos seus paroquianos e os romeiros. Todos sentem
saudades dos seus bonitos sermões.
SEMELHANÇAS COM PADRE
CÍCERO. Tal Como Padre Cícero, Monsenhor
Murilo gostava muito de animais, especialmente pássaros. Em sua casa manteve
por muito tempo um grande viveiro com pássaros diversos. Mas para não criar
problema com o IBAMA foi preciso se desfazer do seu vistoso viveiro o que lhe
causou grande contrariedade, pois a sinfonia canora dos pássaros já fazia parte
do seu cotidiano. Também criou gatos e cachorros aos quais sempre dedicou muita
atenção. Assim como muita gente tem o nome de Cícero em homenagem a Padre
Cícero, há muita gente no Nordeste que tem o nome de Murilo em homenagem a ele.
Padre Cícero sofreu atentado de morte; ele também. Padre Cícero veio de Crato e
foi adotado por Juazeiro; ele veio de Barbalha e também foi adotado por
Juazeiro. Padre Cícero foi bom conselheiro, ele também. Padre Cícero gostava de crianças, ele também.
Ambos estão sepultados dentro de Capelas; Padre Cícero na Capela do Socorro, e
ele, na Capela do Encontro.
OUTRAS ATIVIDADES. Monsenhor
Murilo era Licenciado em Filosofia e Ciências pela Universidade Católica de
Salvador, Bahia, e foi professor da Escola Normal de Juazeiro, hoje Centro
Educacional Professor Moreira de Sousa. Em reconhecimento aos seus relevantes
serviços prestados, a escola o homenageou batizando com seu nome o Centro de
Multimeios.
Exerceu atividade literária escrevendo
artigos para jornais e revistas e publicou os seguintes livros: Experiência de
vida, De Juazeiro do Norte à Terra Santa, Testemunho, Serviço e Fidelidade,
Para os diáconos e Padre Cícero. Foi um dos grandes baluartes em prol da reabilitação do Padre Cícero, cujo processo continua em curso no Vaticano.
Através de programa Dimensões do cotidiano, apresentado por mais de 30 anos na Rádio Progresso, sua palavra evangelizadora ultrapassou os limites de Juazeiro do Norte e se espalhou por toda a Região.
Através de programa Dimensões do cotidiano, apresentado por mais de 30 anos na Rádio Progresso, sua palavra evangelizadora ultrapassou os limites de Juazeiro do Norte e se espalhou por toda a Região.
Sua presença abrilhantava qualquer
solenidade e não raras vezes terminava sendo a grande estrela toda vez que
pronunciava o discurso oficial, que era sempre uma aula de oratória e
sabedoria.
Seu trabalho assistencial se estendeu ao
Horto e à Vila Padre Cícero, onde sua Paróquia marcava presença com obras
sociais, especialmente direcionadas às crianças.
Foram iniciativas suas a editoração do
Livrinho de Cantos da Romaria, do Livrinho da Saúde, a celebração da Missa da
Despedida dos Romeiros na qual se presencia o bonito espetáculo com o levantar
dos chapéus realizados pelos romeiros, a Procissão dos ônibus e caminhões de romeiros e o inesquecível “Viva Nossa Senhora das
Dores” com que costumava terminar suas
pregações.
Com a morte de Monsenhor Murilo, Juazeiro
do Norte fica órfã e perde seu maior líder espiritual depois de Padre Cícero.
PERFIL. Brincalhão e sério quando
preciso; culto, como poucos; fã de Luiz Gonzaga, como todo bom sertanejo; amigo
dos romeiros, admirador e defensor do Padre Cícero, devoto de Nossa Senhora das
Dores, grande reivindicador de melhoramentos para Juazeiro do Norte, tudo isso
compõe o conjunto de qualidades que modela o perfil inesquecível de Monsenhor
Francisco Murilo de Sá Barreto. No dia 6 de dezembro de 2002 ele foi agraciado
com o título de Monsenhor, mas será sempre lembrado por todos como O
Padre-Romeiro, O Vigário do Nordeste.
ELE DISSE:
- Desde minha ordenação que
deixei claro o propósito de me não poupar, quando a exigência é missionária.
- A educação é obra de integração
de pessoas. É mais que um encontro entre elas, é mais que instituição de caridade,
é mais que um exercício didático ou competição.
- A vocação é, sempre foi e será,
um dom de Deus. Dom significa graça. Ninguém a merece, muito menos a compra.
Quando muito, corresponde. Deus chama como quer, quando quer, a quem quer. Não
chama pelo simples prazer de sair de si mesmo. Chama, porque escolhe, porque
ama.
- Os romeiros de Juazeiro são
homens e mulheres cheios de fé. A grandeza
específica do romeiro é esperar. Confiar que Deus é Pai, não abandona.
Que a Providência não os deixa órfãos. Que os ama e os quer felizes.
- A marca da romaria de Juazeiro
é seu rosto de homens e mulheres tinturados pela dor e alegria nordestinas.
Cavam-se as faces rubras, sob um chapéu de palha.
- Juazeiro pode ser considerada a
Fortaleza do rosário. É a oração de agrado do povo. É a Bíblia dos que não
sabem as letras, mas procuram o sentido das palavras.
- Em Juazeiro, cada lar é uma
oficina, e cada oficina, um santuário.
- Padre Cícero foi o dínamo do crescimento
de Juazeiro e o seu maior benfeitor. O homem que acionou o desenvolvimento, colocando
a pessoa humana como sujeito e não objeto desse progresso.
- Só Deus realmente pode perdoar
pecados. Por que? Porque, antes de mais nada, só a Deus se ofende com o pecado.
Antes ferimos a Deus com o pecado. E é por isso que só Deus pode perdoar pecados.
O pecado é a sombra de cada um de nós. Mas em compensação Deus
é o Pai que nos perdoa.
- O que nos leva a projetos de
vida são as intenções, as disposições de trabalho, o sentido do outro, a
convicção de servir.
O VIGÁRIO DO
NORDESTE - Por Renato Casimiro
Não faz muito tempo, tendo
me iniciado no jornalismo com uma colaboração regular, fato que me rendeu o
orgulho de ter, comprovadamente, uma meia dúzia de leitores, recebi do Revmo. Pe. Francisco Murilo de Sá Barreto,
não só o mote de partida, como o estímulo que me permitiu o lançamento de um
livrinho sob o título emprestado de Juazeiro é um Mundo. Ali fiz constar breves
relatos do nosso sentimento ufanista da nossa razão de ser, um dos quais, sobre
a vida dedicada e a obra majestosa deste barbalhense que passará a história
como dos mais ilustrados, não só deste século, mas de toda a civilização do
Vale do Salamanca. Reproduzo o que escrevi naquela ocasião, com novas achegas:
“Tenho uma memória razoável para lembrar que
foi pelo começo de 1958, na casa dos amigos Dolores e José Figueiredo, bem no
começo da Rua São José, onde fui conhecer o Pe. Francisco Murilo de Sá Barreto,
recentemente ordenado por D. Francisco de Assis Pires, na Matriz de Santo
Antônio, em Barbalha, onde celebrou sua primeira missa a 15.12.57. Esta
lembrança vem a propósito de que, entre este ano e o próximo, o vigário e nós,
estaremos celebrando as datas de 40 anos do seu sacerdócio e os seus 40 anos de
permanência entre nós, uma vez que iniciou como vigário cooperador, em 6.2.58.
Pe. Murilo veio do tronco
mais fundo da Barbalha, pois como ali se costuma dizer, o maior orgulho é ter
uma pontinha de Barreto na sua herança de família. Não é por acaso que os
Barretos figuram como Os Primitivos
Colonizadores Nordestinos, na obra clássica de Carlos Xavier Paes Barreto. Aliás,
é ali que se sabe que os Barretos de Barbalha são parte da emigração do ramo
pernambucano, onde o pioneiro foi João Paes Barreto, nos idos de 1557.
Certamente que a ascendência de Francisco Murilo de Sá Barreto vem, da Casa da
Torre, por um lado, dos de Men de Sá, o terceiro governador geral do Brasil,
que por sua vez descende de Paio Rodrigues de Sá, alcaide-mor do reino
português, em 1380, senhor da quinta de Sá, da freguesia de São João Lousada,
no julgado de Viseu. Por outro, e mais de perto, de Francisco Magalhães Barreto
e Sá, o fundador de Barbalha. Isto ainda no recuado ano de 1778.
Senhor, Tu és meu pastor./ Contigo eu vou caminhar
Meus passos Tu vais dirigindo/ Nada me pode faltar.
Filho de José Pácifer de Sá
Barreto e de Laudelina Correia de Sá Barreto, Francisco Murilo nasceu em 31 de
outubro de 1930 e foi batizado pelo Pe. José Correia Lima, em 20.11.1930, onde
foram seus padrinhos Odorina e Leão Sampaio.
Crismou-se muito cedo, em 1932, cujo padrinho foi o Sr. Alfredo Correia de
Oliveira. Recebeu a sua primeira eucaristia em 1937, durante a festa de Cristo
Rei. Todos estes eventos foram ocorridos na Igreja Matriz de Barbalha. Ainda em
Barbalha fez os estudos primários, até 1944. Exatamente no Grupo Escolar
Martiniano de Alencar, pela mão da mestra
Dona Zefinha Alves, casualmente tia-bisavó de dois dos meus filhos. É
depois dos 14 anos que Murilo deixa temporariamente o convívio barbalhense para
internar-se no Seminário Diocesano do Crato, até 1951. Aí fez os estudos
referentes aos antigos ginasial e científico. Daí, para o Seminário da Prainha,
entre 1952 e 1957, onde permaneceu até a sua ordenação. No seu caminho,
percorreu o curso de Filosofia entre 1952 e 1953 e o de Teologia entre 1954 e
1957. Na Capela do Palácio Episcopal do Crato, celebrada por D.Francisco de
Assis Pires, Francisco Murilo recebeu sua primeira tonsura, em 21.06.1954, à
qual se seguiram as ordens menores: Ostiariato e Leitorato, em 12.06.1955,
oficiada por D. Antonio de Almeida Lustosa, na Igreja da Prainha; Exorcistato e Acolitato, em 08.12.1955,
oficiada por D.Francisco de Assis Pires, na Catedral de Nossa Senhora da Penha,
em Crato. Já
no ano seguinte inicia a obtenção de ordens maiores: o Sub-Diaconato lhe foi
atribuído por D.Antonio de Almeida Lustosa, na Igreja da Prainha, em 02.12.1956;
o Diaconato, em 06.04.1957; e o Presbiterato com sua ordenação em 15.12.1957,
oficiada pelo bispo D.Francisco, da Diocese do Crato.
Diante do altar, Senhor, entendo minha
vocação:
Devo sacrificar a vida por meu irmão.
Toda a sua juventude vivida
no Carirí, certamente, plasmou no seu caráter as enormes qualidades de sua
personalidade, de homem simples e bom. Não há ufanismo pernóstico em asseverar
que o Carirí cearense opera destes fenômenos. E, então, para os que nasceram em Barbalha, muito menos, pois é
nesta herança atávica, é desta impregnação de forte amor telúrico ao chão de
nascimento, que se tem alicerçado toda uma escola de gente valorosa, que passou
ao cabo de séculos, entre a forja de heróis dadivosos da nacionalidade, à
escola de lideranças operosas e comunitárias. Francisco Murilo de Sá Barreto é
uma síntese desta quixotesca caminhada pelos canaviais, e pela caatinga, em
busca da “libertação” de seu povo. Missionário vocacionado desde os primeiros
momentos de sua formação, a celebração de tantos e profícuos anos de dedicação
à causa cristã, parece-lhe trazer o efeito benfazejo da têmpera e do brilho que
se conferem aos metais que adentram e varam os séculos. Quando se iniciou na
sua atividade pastoral, em 06.02.1958, como vigário cooperador da paróquia de
Nossa Senhora das Dores, era o seu vigário titular o Mons. José Alves de Lima.
Lembro-me que o Mons. Lima sempre passava pela casa de minha avó, Dona Neném
Soares, na Rua São José, vindo do Socorro. E aí sempre tirava uma prosa,
contava umas anedotas e não faltava uma sobre o jovem estreante, cooperador.
Particularmente, uma falava do acidente em que Murilo , dirigindo
um jeep, abalroou, tendo se ferido no rosto. Apesar do quase trágico, Mons.
Lima não deixava de rir, e fazer-nos rir, com a cena, onde a inexperiência do
Murilo o havia feito trocar o freio pelo acelerador. Tempus fugit, e Pe.
Murilo é o substituto de Mons. Lima, em 28.02.67, de quem sempre guarda terna
recordação.
Dos inestimáveis serviços
dedicados à cidade que o acolheu, para sempre - e assim esperamos, Pe. Murilo
foi professor da velha e querida Escola Normal Rural, iniciando-se como
professor de Latim, em 01.10.1958, e seguindo-se por outras disciplinas como
Psicologia Geral, Filosofia da Educação e Língua Portuguesa. Brilhante, talvez
não haja melhor expressão para consagrar sua dedicação e desempenho no magistério.
Quando encerrava sua atividade formal no magistério, aposentando-se em junho de
1987, declarou:
“ A escola me ensinou bastante. Aprendemos que o magistério público ainda
é vítima de um sistema altamente corrompido e viciado por apadrinhamentos que ofendem,
de cheio, à formação integral do educando. A Escola pública tem a fisionomia do
governo, de seu secretário, dos deputados que não estão morrendo de amor por
uma conscientização dos jovens. É o mais triste na educação, porque os jovens
de hoje, serão os mestres de amanhã. Vejam no meu caso. Olho para as professoras
de hoje, quem é que não foi aluna minha, na escola ? O descaso, a falta de
seriedade do ensino ensejou o comodismo, o pretencionismo, a falta de interesse
e desproporção entre o que devemos fazer, o que queremos fazer e o que
conseguimos obter”.
Mas, será sempre como “o
vigário do Nordeste” que Francisco Murilo
de Sá Barreto será eternamente festejado. Preferiu ficar entre nós, à
moda dos velhos vigários colados das paróquias interioranas. Foi sua escolha
preferencial. Tivesse escolhido outro caminho, era para se dizer como o fizera
jocosamente o Dr. Hercílio Cruz, segundo José Carlos Pimentel, “hoje seria
Cardeal, numa pontinha para ser Papa”.
Tu és a razão da jornada, tu és minha
estrada, meu guia e meu fim/
No grito que vem do teu povo,/ te
escuto de novo/ chamando por mim.
Meus
senhores e minhas senhoras:
Durante muito anos de sua convivência
conosco, os caminhos do Pe. Murilo de Sá Barreto, nas nossas expectativas
desavisadas e mais terrenas, mas também de muita gente, sertão a dentro,
frustraram-se em alguns aspectos. Não foi o vereador, o prefeito, o deputado, o
senador da república, o governador e outras coisas que a política partidária
insinuou, tentou, jamais seduzindo-o às vias da popularidade fácil. Nada disso,
felizmente, o demoveu do itinerário da igreja. Esta, contudo, negou-lhe por
intermináveis anos o apoio com auxiliares, com os quais a vastidão das
solicitações pudessem ser assistidas, e até a divisão necessária do território
eclesiástico da paróquia-matriz que o exauria aos limites da tolerância física
e espiritual foi protelada até que a amplitude da cidade-santuário impusesse o
inevitável. Negou-lhe, a nossa Santa Madre, o reconhecimento ao monsenhorato
que, quando mais não fosse, seria um testemunho à sua fidelidade, e um prêmio à
nossa reverência e obediência. Negou-lhe, ainda, a hierarquia a conseqüente
ascensão ao bispado, nem que isto implicasse na sua remoção destes tabuleiros,
porque aqui, talvez só no terceiro milênio se assista a concretização do sonho
do Pe. Cícero com uma sede de bispado em Juazeiro do Norte. Mas, estas
frustrações que, felizmente, são nossas, simplesmente, não minaram as
convicções de homem bom, simples e reto, que fizeram de Francisco Murilo de Sá
Barreto um dos mais lídimos, profícuos e brilhantes vocações sacerdotais dos
últimos 50 anos da história eclesiástica do Ceará.
Quando ouvi muitas vezes a
menção que se teria transformado Frei Damião numa espécie de sucessor do Pe.
Cícero, como Patriarca do Juazeiro, e de resto a todo o Nordeste brasileiro, eu
me questionei sobre a reflexão equivocada que interesses espúrios insistiram em
propagar por mais de meio século. Se com Cícero Romão Baptista Juazeiro
atravessou os século 19 e 20, em meio a um prodigioso milagre incontestável,
que o projetou para grandes conquistas ao longo de todos estes anos, com Francisco
Murilo de Sá Barreto, o povo de Deus desta operosa cidade consolidou a sua cidadania
para transpor em nome de Cristo a virada para o novo milênio, na certeza de que
o faz em bases sólidas, posto que alicerçadas num trabalho de evangelização de
quem, como ele, se deu de corpo e alma aos destinos desta civilização
sertaneja. Ninguém como ele, pois, para ter sobre si, não um título, do qual se
recusaria sempre, senão o fardo pesado de uma responsabilidade assumida no
mister da sua ação pastoral. Com o tempo, este papel, de tal modo se acentuou,
que na maturidade dos seus 40 anos de vida sacerdotal, é o principal e fiel
intérprete do entendimento que hoje acumulamos sobre o fenômeno do Juazeiro. A
sua autoridade, mais e mais, se exercita na convivência com milhões de romeiros
que procuram esta terra, como a derradeira paragem da utopia sertaneja, na
esplêndida constatação de Oswald Barroso. Dela, desta autoridade, sobressaem as
lições de vida de quem passou da horizontalidade da planície para chegar
amadurecido, e com cabelos brancos, a imensidão do altiplano. Bendita seja esta
missão vivificadora de um homem santo de Deus, cuja palavra serena e esclarecedora,
prenhe de imagens ricas nos mantém vivos e impregnados do evangelho, na homilia
dos dias simples.
Senhor, tu me olhaste nos olhos/ A sorrir, pronunciaste meu nome,/
Lá na praia, eu larguei o meu barco, junto a Ti buscarei outro mar...
Sorriso ingênuo e quase
sempre acanhado, de quem como ele nunca se distanciou da simplicidade e da
grave condição de vida do homem do sertão, Francisco Murilo de Sá Barreto nunca
foi apanhado com atitudes levianas, ou expressões banais que desabonassem a sua
condição de líder honorário da igreja, no Juazeiro do Pe. Cícero.
Sua conduta moral, irretocável, é destas
coisas marcantes de sua personalidade de escol, nestes tempos em que ainda
somos surpreendidos com a crise moral da sociedade, onde padres não
vocacionados não respeitam o celibato, a missão divina do ministério, muito
menos o desapego aos bens materiais e a opulência. Faço minhas as observações
de Elias Rodrigues Sobral, quando escreveu:
“ O Padre
Francisco Murilo de Sá Barreto é desprendido dos bens materiais, razão pela
qual a sua conduta irrepreensível se apresenta com uma nitidez cristalina, que
encanta e aprimora as suas virtudes, despertando a consideração pública, alcandorando
em torno de si, a confiança e a admiração pelos seus atos, que são realmente
dignos”.
Virgem das Dores, Santa Senhora/ Da nossa
terra sois defensora/
Guardai do mal a nossa vida/
Abençoai-nos ó Mãe querida.
Caríssimo
irmão, Pe. Murilo:
Por
muitas vezes, na racionalidade de nossos gestos, a nossa emoção se reprimiu ao
instante de revelar o imenso amor que sentimos pelo querido vigário da Mãe das
Dores. Costumo lembrar o conselho de minha mãe que recomendava abrir o coração,
incondicionalmente. É diante desta lembrança e da ocasião em que hoje nos encontramos,
que aqui viemos para desejar-lhe, na sua vida, a companhia inseparável das
luzes do Espírito Santo, as mesmas que o iluminaram na sua opção pelo sacerdócio
e que orientam os destinos de sua missão de pastor, que procurei conhecer e admirar,
desde os tempos em que, neste mesmo Círculo Operário São José, imenso para os
meus olhos de menino, enquanto aprendia as primeiras letras, ao lado de minha
mãe, a ensinar também a gente humilde e trabalhadora neste Juazeiro, do nosso
encanto, nas noites em que ouvíamos as orações, ao tom cerimonioso do velho
vigário Mons. Lima, secundado pelo estreante Francisco Murilo, irradiados pela
amplificadora do João Lima, imersos num coro grandiloqüente que entoava o “
Tantum Ergo”
É de
trinta anos, ou quase isto, talvez mais,
que temos um encontro regular aos sábados, às 15 horas. É para se dizer que
quase nada de importante não tenha sido tratado, onde tivemos sempre a presença
fraterna do vigário, uma pauta longa de assuntos, as visitas constantes de
artistas, políticos, religiosos, professores, gente de toda sorte, ao sabor de
uma conversa farta, nunca fútil, e profundamente identificada com os interesses
do Juazeiro. Recebidos com a dedicação inexcedível de Dona Olindina, até à
morte, esta rapaziada ainda hoje continua ali se reunindo à sombra de um ideal
permanente e dos cafés, bolos, biscoitos, doces e a amável simpatia de Alzira.
É bem verdade que há enormes saudades nisto tudo. Do Édio, do Calábria, do
Cícero, da Mirian, e de outros que se foram antes do combinado. Quanto lamento
que hoje somente participe destes encontros raramente e tenha perdido na
voragem do tempo a imensa oportunidade de partilhar mais a fundo desta
ambiência.
Foi destes encontros que
surgiram muitas idéias e grandes realizações. Por exemplo, a mania minha e de
Daniel Walker em torno da memória histórica do Juazeiro. Quem quer que vá hoje
ao Memorial Padre Cícero, vai encontrar na sua principal sala de acervo uma
interessante exposição fotográfica, retrospectiva da vida do Patriarca de
Juazeiro. O que talvez pouca gente
saiba, é o quanto isto encerra de dedicação e trabalho a que estivemos
envolvidos, juntamente com Pe. Murilo de Sá Barreto, José Carlos Pimentel, e
Antonio Calábria. Esta história nasceu muito antes do Memorial ser construído,
e remonta às minhas férias escolares de 1967. Encontrei-me com Raimundo Gomes
de Figueiredo e, em meio a nossa conversa, puxou, de um envelope que trazia, uma
foto em tamanho 18x24 reproduzindo o
Pe.Cícero e diversos amigos, no quintal de sua casa, onde se encontravam Floro
Bartholomeu da Costa, Pelúsio Correia de Macedo, Pedro Coutinho, Pe.Joaquim
Alencar Peixoto, Dona Mocinha e várias beatas,
Maria Custódia, Sofia de Matos, Assunção Marçal e várias outras pessoas.
A foto era de 1909, sem maior precisão. Ganhei-a de presente, e foi o começo de
tudo. Daí nasceu, e cresceu, o nosso interesse pelas fotos antigas. Passamos a
procurar em casa de muitas famílias, velhos guardados e baús quase centenários,
de onde passaram a brotar preciosidades,
realmente fantásticas, na revelação de imagens do Juazeiro antigo e seus
personagens. São incontáveis as pessoas que me ajudaram a reconstituir estas
cenas. É dever de gratidão mencioná-las, por seu espírito largamente desprendido
e colaborador. Bati às portas de Amália Xavier de Oliveira, Assunção Gonçalves,
Valdemar Barros, Nercí Matos, Maria Gonçalves da Rocha Leal, Stela Pita, Hugo Catunda,
Pe.Azarias Sobreira, Elias Rodrigues Sobral, Antonio Fernandes Coimbra(Mascote),
Mário Malzone, Irmã Nelí Sobreira, Geová Macedo, Luis Bezerra, Oswaldo Araújo,
Lauro Cabral, Sebastião Marques, Tobias Medeiros, Luciano Teófilo de Melo,
Ananias Eleutério de Figueiredo, Otacílio Anselmo e Silva, Paz Guimarães, Dona
Beatriz Santana, Irapuan Pimentel, e muita gente mais. De nenhum recebemos qualquer resposta de
desapontamento. Improvisado de fotógrafo, comecei a reproduzir todo este
material, porque tinha o compromisso, e de fato cumpri, de devolver-lhes estes
preciosos originais aos seus guardados de família e objetos de tanto e
justificado zelo. Em 1968, já contando com um acervo de 200 fotografias, e com
o apoio da Paróquia de Nossa Senhora das Dores, e o entusiasmo do Pe. Murilo,
fizemos realizar no edifício D.Pires, a I Exposição Fotográfica do Juazeiro
Antigo. Foi um momento de grande emoção para todos nós percorrer aqueles
estandes, e encontrar gente de todas as
idades deslumbradas diante do que lhes era revelado por imagens marcantes da
vida da cidade. Não era possível recuar muito no tempo. A primeira imagem era a
dos familiares do Pe.Cícero, seguida de sua primeira fotografia, ainda
seminarista na Prainha. Mas, havia algo de mágico e que percorria o velho
casario do Juazeiro, seus logradouros, alguns já inexistentes, bem como as
tradicionais fotos de grupos familiares. Era um encanto para aquela gente
ver-se, e aos seus parentes próximos, tão bem registrados e inseridos num
contexto de história, de raízes da formação do Juazeiro. A afluência, a
curiosidade era tamanha que longas filas se formavam em algumas horas do dia, e
sobretudo nos finais de semana para ter um lugarzinho e conhecer aquilo de que
tanto se falava na cidade. Para nós, modéstia à parte, foram instantes
preciosos e de glória, com o sentimento que não nos cabia, de ter feito algo
pelo renascimento deste espírito de culto ao nosso passado, e que estava um
tanto desaparecido. Diariamente o Pe. Murilo estava conosco, participando com
grande entusiasmo aqueles instantes maravilhosos que experimentávamos. Fomos
compelidos a realizar uma segunda exposição, em 22.07.1971. Melhor ainda,
porque tínhamos resolvido algumas questões da qualidade das imagens, a pesquisa
prosseguia e muitas outras fotos foram anexadas ao acervo. Novamente o Edifício
D.Pires, pela generosidade do vigário, foi palco de um enorme ajuntamento de
pessoas, muitas das quais com a memória das primeiras imagens. Foi outro
sucesso. E nunca mais paramos com esta mania.
Foi também desta prolongada
convivência que, a bem da verdade, aí se estabeleceu um verdadeiro fórum de
discussões sobre os caminhos do Juazeiro. Podemos dizer, sem petulância, senão
com orgulho, o quanto fomos ouvidos em grandes projetos para o Juazeiro, como a
organização do Memorial Pe.Cícero e dezenas de obras públicas, os Simpósios
marcantes com largos estudos multidisciplinares em torno do fenômeno
Juazeiro/Pe.Cícero, a publicação de inúmeros livros, a realização de teses acadêmicas,
centenas de reportagens de rádios, tvs, cinema e jornais, a criação entre nós
do Instituto José Marrocos de Pesquisas e Estudos Sócio-Culturais-IPESC, da
URCA. Apenas estes, para não ir amiudando a extensa lista. Nisto tudo, como
mentor, como líder, aí estava Francisco Murilo de Sá Barreto, nos incentivando,
nos orientando, e nos indicando os melhores caminhos, através dos quais, hoje,
com imensa alegria, se pode admirar os novos tempos desta cidade e de seu povo.
Meus
amigos:
Hoje é
segunda, ontem fui domingo, dia de jogo.
Torcedor incorrigível,
Francisco Murilo de Sá Barreto atravessou bravamente todas as crises do
glorioso Clube de Regatas Vasco da Gama, mantendo-se fiel ao entusiasmo de uma
galera que encheu, do Romeirão, em dia de glória, ao Maracanã, pela televisão,
ainda hoje. Este, sem dúvida, o seu maior pecado. Deus, Nosso Senhor, o perdoe
pela fraqueza e o conserve em nome do Pai, do Filho, do Espírito Santo e,
também, porque não dizê-lo, do desapontamento de toda a torcida local do
Flamengo.
Ditas estas coisas, para as
quais não se encontra boa recepção por parte de nosso homenageado, certamente,
tais os seus escrúpulos e a modéstia excessiva que o acompanham, nada mais
seria necessário para finalizar, senão pedir-lhes desculpas pelo abuso deste
longo, emotivo e impertinente palavrório, que se dispensaria no conceito de
cada um dos presentes, face a grande linguagem de afeto que se derrama por
entre tantas relações de amizade ao nosso querido vigário, pois a vida
sacerdotal do Revmo. Pe. Francisco Murilo de Sá Barreto, para todos nós, se fez
como paradigma de autêntico, digno e santo apostolado cristão.
A celebração desta data é
apenas um lado do nosso convívio social e festivo, diante da reverência, do
respeito e do afeto que lhe queremos testemunhar, hoje e por todos os dias das
nossas vidas.
Muito, e muito, obrigado !
(Discurso pronunciado por Renato Casimiro, na noite
de 15.12.1997, no Círculo Operário São José, durante a celebração do
Quadragésimo Aniversário de Ordenação Sacerdotal do Revmo. Pe. Francisco Murilo
de Sá Barreto, M.D. Vigário da Paróquia-Matriz de Nossa Senhora das Dores, em
Juazeiro do Norte,Ceará.)
Lembro demais do lançamento do livreto Experiência Válida, estava lá na festa de lançamento, tenho um autografado. Saudades muitas desse meu amigo Pe. Murilo.
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